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Monitoração eletrônica como instrumento de efetividade das medidas protetivas de urgência na lei Maria da Penha

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Autor

Por Thiago Solon Gonçalves Albeche. [1]

Resumo

O presente artigo analisa a monitoração eletrônica como instrumento de prevenção e repressão à violência no contexto da Lei Maria da Penha, culminando com as recentes alterações da lei 15.125/2025.

1. Introdução

A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui fenômeno social complexo que demanda respostas multidisciplinares do sistema de justiça. Nesse contexto, as medidas protetivas de urgência representam importante mecanismo para a interrupção do ciclo de violência e proteção imediata das vítimas. Contudo, a efetividade dessas medidas esbarra frequentemente na dificuldade de fiscalização de seu cumprimento, lacuna que a monitoração eletrônica busca solucionar.

2. Previsão inicial da monitoração eletrônica no ordenamento jurídico brasileiro

A monitoração eletrônica foi inicialmente introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 12.258/2010, que alterou o Código Penal e a Lei de Execução Penal. Posteriormente, a Lei nº 12.403/2011 ampliou seu escopo ao incluir a monitoração eletrônica entre as medidas cautelares diversas da prisão, especificamente no artigo 319, IX, do Código de Processo Penal, que prevê “monitoração eletrônica” como uma das medidas possíveis para assegurar a aplicação da lei penal.

3. A intercambialidade entre medidas cautelares e medidas protetivas de urgência

Antes da previsão expressa na Lei Maria da Penha trazida pela Lei 15.125/2025, sempre defendemos a possibilidade da utilização da monitoração eletrônica prevista dentre as medidas cautelares diversas da prisão como forma de afastar o agressor da vítima. Nessa mesma linha, Renato Brasileiro (2020, p. 1286) sustenta que

“se o magistrado entender que não constam dos artigos 22, 23 e 24, nenhuma medida protetiva de urgência capaz de assegurar a eficácia do processo, poderá se valer não somente das novas medidas cautelares diversas da prisão introduzidas nos arts. 319 e 320 do CPP pela lei 12.403/2011”.

A necessidade de ampla tutela da mulher vítima de violência doméstica e familiar exige do intérprete a promoção de um diálogo de fontes que proporcione a incorporação de outros instrumentos protetivos ao sistema de garantias da mulher.

Essa postura interpretativa conta com amparo, ainda, no princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais e na exegese do próprio art. 22 da LMP, que traz o rol exemplificativo de medidas a partir da expressão “dentre outras”, consagrando “um verdadeiro princípio da atipicidade das medidas protetivas de urgência”[2] .

Disso se extrai que a aplicação da monitoração eletrônica do Código de Processo Penal baseava-se na compreensão de que ambos os institutos compartilham natureza protetiva e visam proteger bens jurídicos relevantes, formando um sistema complementar e integrado em prol da eficácia da proteção às vítimas. Assim, mesmo sem previsão expressa na Lei Maria da Penha quanto à cumulação das medidas protetivas com o monitoramento eletrônico, magistrados já o determinavam como forma de fiscalização das medidas impostas, especialmente o afastamento do lar e a proibição de aproximação da ofendida, seja com base na intercambialidade das medidas protetivas de urgência e medidas cautelares diversas da prisão, seja, para alguns, com base no poder geral de cautela[3].

4. A evolução legislativa na lei Maria da Penha: nova medida protetiva?

A primeira referência expressa ao monitoramento eletrônico na Lei Maria da Penha ocorreu em 2019, com a inclusão do § 5º ao artigo 22, por meio da Lei 13.871/2019, que estabeleceu: “Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.”

Nota-se que esta primeira alteração tratava mais da responsabilidade pelo ressarcimento das despesas com dispositivos de segurança para a vítima, dentre eles, para monitoramento, mas sem mencionar sua relação com as medidas protetivas. Contudo, de forma implícita, a previsão já concebia o uso de tornozeleiras eletrônicas determinado judicialmente para proteger a vítima.

A Lei Maria da Penha passou por nova alteração com a inclusão expressa da monitoração eletrônica do agressor, por meio da Lei 15.125/2025, que acrescentou nova redação ao § 5º do artigo 22, estabelecendo que: “Nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoramento eletrônico, disponibilizando-se à vítima dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação”.

Conforme apontam Thimotie Aragon Heemann e Rogério Sanches Cunha (2025), esta nova previsão não configura uma medida protetiva de urgência autônoma, mas sim um instrumento acessório às MPUs. Segundo os autores, “a partir do princípio geral do direito de que ‘não se presumem, na lei, palavras inúteis’, inicialmente verificamos que o legislador utilizou a expressão ‘nos casos previstos neste artigo’, fazendo referência às medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor expressamente positivadas pelo legislador no rol do art. 22 da LMP”, deixando clara a “relação de acessoriedade entre as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor […] e a monitoração eletrônica do art. 22, § 5º, da Lei 11.340/2006, instrumento disponível ao sistema de justiça para maximizar os efeitos protetivos e assegurar a efetividade das MPUs”.

Na mesma linha, observamos que o legislador poderia – e não o fez – ter acrescentado a monitoração eletrônica em mais um inciso dentre  as medidas protetivas previstas no rol do art. 22. Tal silêncio parece ter sido eloquente, preferindo-se a referida acessoriedade e a instrumentalidade a serviço da eficácia das medidas protetivas.

Muito embora sustentemos a intercambialidade entre as medidas protetivas de urgência e as medidas cautelares diversas da prisão, é preciso estabelecer uma diferença essencial entre a monitoração eletrônica da LMP e a prevista como medida cautelar diversa da prisão no CPP.

 A monitoração eletrônica da LMP (art. 22, § 5º)  é medida que pode ser cumulada com uma medida protetiva de urgência.  Aliás, a lei refere que a medida de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoração eletrônica,  dando a entender que pode existir medida protetiva com ou sem monitoração eletrônica.  A hipótese inversa não é prevista, ou seja, não haverá monitoração eletrônica – pelo menos com fundamento no art. 22, § 5º da LMP – como medida autônoma e independente, desvinculada de outra medida protetiva

Por outro lado, a monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX do CPP  pode existir de forma autônoma, desvinculada de qualquer outra medida cautelar[4].  Ou seja, pode o juiz determinar apenas a monitoração eletrônica sem a finalidade de garantir o cumprimento de qualquer outra obrigação ou medida cautelar imposta. Essa situação ocorre, por exemplo, quando o Estado deseja monitorar o investigado apenas para saber a sua localização e evitar possível fuga. Na hipótese, caso o suspeito rompa o dispositivo de monitoração, estará descumprindo a medida cautelar de monitoramento, ensejando a substituição da medida, a cumulação com outras medidas cautelares diversas da prisão ou, em último caso, até mesmo a decretação da prisão preventiva.

 Supondo então a decretação de uma prisão preventiva, teremos fundamentos diferentes em caso de monitoração eletrônica decorrente do art.  22, § 5º da LMP ou do artigo 319, IX do CPP.  Na hipótese da Lei Maria da Penha,  eventual prisão preventiva não decorre de uma suposta ofensa à ordem de monitoração em si, mas do descumprimento da medida protetiva de urgência a que estava vinculada a monitoração eletrônica. Assim, o fundamento legal será o art. 20 da LMP c/c o art. 313, III do CPP.

Em se tratando de descumprimento ao monitoramento enquanto medida cautelar diversa da prisão, o fundamento de eventual decreto da prisão preventiva será o art. 282, § 4º, CPP.

5. Modalidades de monitoração eletrônica: da proteção à vítima à recuperação do agressor

A monitoração eletrônica pode operar mediante duas modalidades principais, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente:

a) Zona de exclusão: modalidade em que se estabelecem perímetros nos quais o agressor não pode adentrar, como a residência da vítima, seu local de trabalho, instituições de ensino frequentadas pelos filhos, entre outros. A violação desses perímetros gera alertas automáticos para as autoridades e para a própria vítima, permitindo intervenção imediata.

b) Zona de inclusão: nessa modalidade, delimita-se perímetro no qual o agressor deve permanecer em determinados horários, como sua residência durante o período noturno ou local de trabalho em horário comercial.

O sistema integrado previsto na nova legislação permite o monitoramento em tempo real da localização do agressor e, ao mesmo tempo, possibilita que a vítima acione as autoridades mediante dispositivo de segurança específico (popularmente chamado de “botão do pânico”), criando uma rede de proteção mais eficaz e responsiva.

Contudo, a monitoração eletrônica deve servir para além do objetivo principal, que é resguardar a integridade física e psíquica da vítima. Considerando as medidas protetivas que obrigam o agressor, sobretudo comparecimento a programas de recuperação e reeducação (art. 22, VI) e acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio (art. 22, VII), a monitoração deve servir à fiscalização sobre o cumprimento dessas medidas, sendo utilizada de forma ainda mais assertiva,  inteligente e eficiente.

Há um consenso de que a punição, ainda que desejada, é insuficiente para coibir o fenômeno da violência doméstica e familiar. Se a vítima deve receber acolhimento e tratamento para minimizar os efeitos psicológicos das agressões sofridas, é necessária uma intervenção mais assertiva na pessoa do agressor para conscientizá-lo acerca da gravidade da sua conduta e desconstruir os padrões comportamentais violentos. A reflexão sobre as próprias atitudes e a internalização de valores fundamentados no respeito e na igualdade são essenciais para que o infrator não reitere qualquer forma de violência contra a vítima ou futuras companheiras.

Neste aspecto, a monitoração na modalidade “zona de inclusão”, permite o controle sobre a localização do obrigado nos dias e horas determinados pelo juízo, cumprindo as medidas protetivas terapêuticas.

6. Desafios para a implementação efetiva

Não obstante o avanço legislativo, a efetividade da monitoração eletrônica como instrumento de proteção às mulheres em situação de violência doméstica depende de fatores estruturais que transcendem a mera previsão legal:

a) disponibilidade de equipamentos em quantidade suficiente para atender à demanda; b) existência de centrais de monitoramento com funcionamento ininterrupto; c) protocolos claros de atuação em caso de violação; d) integração entre os sistemas de monitoramento e os órgãos de segurança pública; e) capacitação dos profissionais envolvidos na operacionalização do sistema.

7. Considerações finais

Entrando em vigor na data da sua publicação (24.4.2025) a lei 15.125/2025 traz expressos mecanismos de proteção à vítima que, de certa forma, já operam em diversos Estados do país, sem, contudo, uma clara determinação ou padronização. Antes da novel legislação, o nascedouro das iniciativas referentes ao uso de equipamentos de monitoração eletrônica e de segurança – como os “botões de pânico” – coube à iniciativa de cada Estado e de setores da sociedade civil organizada como algumas ONGs, configurando certa desarticulação e padronização nas iniciativas e comandos vinculantes ao Poder Público.

A inclusão destes mecanismos na Lei Maria da Penha faz com que a sua utilização seja formalmente considerada como uma política pública de prevenção e repressão à violência doméstica e familiar contra a mulher, havendo expectativa de que o seu difícil combate torne-se cada vez mais eficaz.

Referências:

LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. 2.ª ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

CUNHA, Rogério Sanches; HEEMANN, Timothy Aragon. Monitoramento “front door” e Lei Maria da Penha: Avanços promovidos pela Lei 15.125/2025 na proteção das mulheres. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2025/04/25/monitoramento-front-door-e-lei-maria-da-penha-avancos-promovidos-pela-lei-15-125-2025-na-protecao-das-mulheres/. Acesso em 30.04.2025


[1] Delegado de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul. Professor de Direito Processual Penal no Sensu Jurídico e RSC Online. Coordenador pedagógico e professor no curso Mentoria ProDelta. Professor da Academia de Polícia do RS – ACADEPOL. Pós-graduado em Processo Penal.

[2] DE LIMA, Renato Brasileiro. Op. cit. p. 1286.

[3] Lembremos que parte da doutrina nega a aplicação do poder geral de cautela no âmbito do processo penal.

[4] Renato Brasileiro classifica a monitoração eletrônica do art. 319, IX, CPP em duas espécies: (a) como medida autônoma; (b) como medida vinculada para assegurar a eficácia de outra medida cautelar diversa; Nucci, por sua vez, entende inócua a monitoração eletrônica autônoma, referindo que ela sempre é deferida para garantir outra medida.

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